– Então vai contar…ou vai cantar, uns versos que o seu pai dizia…
– Vou contar uns versos que o meu pai dizia:
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Manuel era um petiz de palmo e meio
Pouco mais teria na verdade
Rosto moreninho, olhar cheio,
Inteligente e de enérgica bondade
Orgulhava-lhe dele o professor
Fazia contas que nem um banqueiro
E lia nos livros como um doutor
.
Certo dia Manuel passando
Junto ao adro da igreja
Aproximou-se e viu um bando de homens
A olhar o que quer que seja
Interrogavam-se todos em dispel
Ansiosos por saberem cada qual
O que havia em certo papel
Pregado com o brejo no portal
.
É para as contribuições! Supunham uns
É para as sortes, talvez! Outros volviam
Quantas disposições!
Porém nenhum sabia ao certo o que o Edital continha
Nenhum, e eram vinte os assistentes
Vinte homens e talvez inteligentes
Mas todos, que tristeza, analfabetos!
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Furou o Manuel
Por entre aquela gente ansiosa, comprimida, amalgamada
Como formiguinha diligente
Pelo maciço de erva emaranhada
Furou e conseguiu chegar adiante
Ergue-se nos pézitos para ver
Mas o Edital estava lá tão em cima e tão distante
Que não o pôde ver
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Então um dos do bando agarra-o
Com suas mãos possantes e calejadas de cavarem pão
Houve um silencio entre os circunstantes
E numa clara voz melodiosa
A alegre e insinuante criancinha
Põs-se a dizer àquela gente ansiosa
Correntemente, o que o Edital continha
.
Regressava o abade do passal
A caminho da sua moradia
Como era já idoso e via mal
Apressou-se e veio ver o que haveria
E deparou com aquele quadro lindo:
Uma criança a ler a homens feitos
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Um pequenino cérebro, fachinho de luz
No meio daqueles cérebros imperfeitos
Transpareceu do rosto do bom abade
Um doce e espiritual contentamento
E da sua boca brotou de verdade
Disse estas frases com brando assento
“Olhai amigos, quanto pode o ensino
Sois homens, alguns pais, e até avós
Pois só por saber ler, este menino
É já maior que nenhum de vós!”
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Versos recitados, de cór, por Ana Cristóvão Afonso, 92 anos (em entrevista cedida a 3 de Outubro de 2019), segundo o que aprendeu com o seu pai João Cristóvão (nascido em 1892, na aldeia de Roda – Cardigos, Mação)