E2 – Património

Introdução (3 Eixos)

Das memórias da escola ao património da educação em meio rural

O projecto MRIR tem por objectivo contribuir para o exercício de uma cidadania activa através da promoção de processos de aprendizagem ao longo da vida, fortemente enraízados na memória e no património histórico local relacionados com a educação, o ensino e a escola em meio rural. Assim, o projecto visa contribuir para a criação de uma Memória da Educação ao nível local, identificando o património material e imaterial associado à Educação e ao Ensino (edifícios, iconografia, biografias de pedagogos e professores, efemérides, museus escolares, imprensa local e regional, estatística escolar, etc). 

Por um lado, trata-se de construir memórias sobre a Escola, enquanto instituição educativa formal; por outro, é necessário produzir memórias sobre a escolarização, ou seja, memórias referidas a uma actividade, empreendidas num tempo e num espaço concretos: o espaço-tempo escolar (MEDA & VIÑAO, 2017). Este procedimento torna possível alcançar, por intermédio da voz dos próprios sujeitos, um conjunto de manifestações que a historiografia educacional designa como cultura escolar (VIÑAO, 2008: 22). 

A memória das instituições escolares está ligada a um conjunto de artefactos e objectos que a história da educação têm vindo a privilegiar como objecto de estudo autónomo (MOGARRO, 2015). Referimo-nos ao património material da escola ou cultura material das instituições educativas. A memória material da escola constitui um eixo essencial para a construção da identidade e para a formação da cidadania, através da ligação que estas materialidades estabelecem com os percursos escolares, as experiências dos actores educativos e o património local (LAWN & GROSVENOR, 2015; MAGALHÃES, 2015; DEPAEPE & SIMON, 2015; MADEIRA & SILVA, 2015; SILVA, 2015). 

Através do seu Eixo 2 – Património da Educação Local, o projecto MRIR procura desencadear um conjunto de reflexões acerca do valor patrimonial da cultura material da educação em meio rural, acerca da constituição deste património como objecto historiográfico e, designadamente, acerca dos modos de aproximação metodológica tendo em vista o estudo da memória da escola, bem como do papel que esta pode desempenhar na educação cívica e crítica da cidadania. 

Por outro lado, esta valorização das fontes materiais da história da escola – as quais, até há bem pouco tempo, foram objecto de esquecimento ou até mesmo exclusão da categoria de património cultural, pela sua sub-estimação face aos testemunhos da cultura letrada -, supõe uma importante ruptura (ou viragem) que é simultaneamente epistémica e social, na medida em que re-centra a investigação histórica no conhecimento das práticas culturais e dos modos empíricos de produção da cultura escolar, nas quais os objectos surgem como registos que dão visibilidade a essa cultura. Ao atribuir a estes materiais um estatuto que antes eles não tinham – pelo facto de estarem excluídos da “memória protegida” (BENITO, 2010: 15) -, esta viragem epistémica e social permite operar uma revalorização da utensilagem de ensino-aprendizagem ao incluí-los no catálogo dos bens inscritos naquela que seria uma verdadeira democracia cultural: aquela que não só valoriza a enciclopédia e o arquivo dos textos maiores através do quais se expressa uma comunidade ou cultura, mas também aquela que presta atenção e consideração aos textos menores, aos objectos utilitários e aos elementos empíricos que transportam as marcas de uma tradição através da qual toda uma colectividade foi educada, mediante (entre outras coisas) os dispositivos tecnológicos e disciplinares da escola. 

Em outras palavras: a cultura material da educação remete sempre para experiências de sociabilidade que se tornam tanto mais compartilhadas quanto mais se expande a escolaridade obrigatória a sectores cada vez mais amplos de uma colectividade. É, justamente, em virtude desta progressiva democratização da cultura escolar que os objectos e as materialidades da educação formal (e suas representações iconográficas) chegam a constituir-se como bens e valores identitários comuns, ou seja, como bens e valores capazes de reger, num dado momento histórico, a vida social e cultural de segmentos cada vez mais amplos da sociedade. É também nessa medida que podemos afirmar que a cultura material da escola é indissociável da cultura imaterial de toda uma sociedade (ou colectividade). Isto equivale a dizer que o valor cultural que atribuímos à educação (e à escola) espelha-se, muitas vezes, na forma como a educação e a escola adquirem (ou não não) um notório interesse público, e se constituem (ou não) como um objecto central das estratégias de salvaguarda e celebração daqueles bens e valores que, em determinado tempo e espaço, elegemos como dignos de serem preservados, estudados e conhecidos no futuro. 

Agustín Escolano Benito recorda-nos a importância da salvaguarda da memória e da cultura histórica das sociedades e da valorização do património educativo para as gerações futuras: 

La aproximación empírica y hermenéutica a la cultura material comporta pues consecuencias educativas. (…) Sabemos quienes somos, y seguramente también adonde vamos, porque podemos recordar. (…) Construimos esta identidad, que se transforma en tradición, escribiendo y borrando, como en los juegos de arena, los contenidos de la memoria. (…) Sin memoria no es posible no ya la cultura sino la misma vida. Educar en la memoria, en el uso crítico de la tradición, es sin duda una estrategia básica de supervivencia, de sostenibilidad cultural, de los individuos y de la civilización. Entre los juegos de escritura y archivo salvamos siempre los bienes que consideramos inalienables, que pasan a constituir nuestro patrimonio cultural. (BENITO, 2010: 25)

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Metodologia

Nesta vertente do Património Local da Educação, o projecto MRIR direcciona-se para a realização de um inventário sobre a cultura material da escola (VIÑAO, 2008: 29), cujos procedimentos metodológicos se concentram em três áreas: 

Memória da Educação Local: inventariação da toponímia local ligada à educação e ao ensino e sua explicação; património construído ou vestígios (edifícios escolares); iconografia relacionada com os edifícios e com a população escolar, docente e discente; estatísticas escolares (exames, frequência escolar); efemérides locais relacionadas com a educação, o ensino e a escola; 

Contributo da Imprensa Regional para a Memória da Educação e da Escola em contexto rural: imprensa social e imprensa escolar (notícias, reportagens, visitas de estudo, excursões, etc.); 

Inventariação de Biografias de instituições (ensino e cultura), e de pessoas (personalidades locais, professores, antigos alunos, etc.);

Este Eixo 2 do projecto MRIR contempla o desenvolvimento de investigação e de conhecimento acerca do Património Local da Educação de modo a construir materiais susceptíveis de serem utilizados na terceira fase do projecto (Eixo 3: Educação). As actividades circunscritas pelo Eixo 2 – Património compreendem tarefas de investigação e produção de conhecimento centradas na realização de recolhas bibliográficas, trabalho de campo e compilação de dados a partir de fontes secundárias. Pretende-se, essencialmente, gerar conhecimentos inovadores no campo da história da educação, pela consideração de temáticas pouco estudadas no contexto português e, sobretudo, ao nível regional-local.

Neste Eixo serão contemplados os seguintes aspectos: 

– Produção de materiais susceptíveis de serem utilizados na concepção de Currículos de Educação Local (E3); 

– Identificação de construções vestigiais e edifícios funcionais que agregam valor ao Património Local da Educação; 

– Valorização dos recursos humanos e a rentabilização dos equipamentos culturais nos municípios envolvidos neste projeto; 

– Conservação do Património Local da Educação para futura memória. 

Os produtos resultantes do trabalho de investigação produzido neste Eixo darão origem a:

– Exposições e/ou Arquivos digitais (online) subordinados ao tema do Património Local da Educação;

– Visitas de estudo (a respeito da toponímia, edifícios, vestígios ou efemérides ligadas ao património local da educação); 

– Publicações científicas e temáticas subordinadas ao tema: Património Local da Educação, incluindo a publicação de capítulos a integrar uma monografia que contemplará os três Eixos do projecto (Memória, Património, Educação);

Texto: Ana Isabel Madeira & Helena Cabeleira (2021)

Referências Bibliográficas