história & memória da nossa imagem…

Arquivos & Espólios particulares: Maria Albertina Castanheira Batista
Turma de meninos da 3ª ou 4ª classe da Escola Primária de Pedrógão Grande, onde se destaca Acúrcio Castanheira nascido em 1895, pai da Professora Albertina Castanheira (Proença-a-Nova).
Foto datada de 1905-06 (aprox.).

.

FOTOS FALADAS

(…)

Nós escolhemos esta imagem como imagem do projeto… 

– Este menino…eu até pus ali uma cruzinha, porque ele é o meu pai…em Pedrogão Grande. (…) Repare que era só masculina…só os miúdos é que iam à escola. (…) Eu posso-lhe emprestar isto. Isto fica na sua mão e depois dá-me quando não precisar. (…) Eu até lhe deixo este papel e depois lê isto com calma, mas eu acho que isto que a minha irmã me disse…isto é o que a minha irmã me disse. Ela é que me deu este testemunho, ela tem mais de dez anos que eu. 

Eu quero que me fale dessa fotografia. O que é que sabe dessa fotografia? Quem é que está aí?

– Aquilo que eu sei é que eram os meninos do 4º ano de Pedrogão Grande onde está também o meu pai. Portanto, da 4ª classe. Que é aquele ali. 

Como é que se chamava o seu pai?

– Acúcio Castanheira que depois foi médico em Proença-a-Nova cinquenta e cinco anos. 

E esta fotografia tem ideia de quando é que foi tirada?

– Tenho, porque eu sei a idade do meu pai. O meu pai nasceu em 1895, se ele aqui andava na 4ª classe, portanto 1895 aqui devia ser 1900 por aí. 

E sabe onde é que foi tirada essa fotografia?

– Mais…Então se ele nasceu em 95 foi para a escola pelo menos com, aqui já tinha passado uns dez anos, portanto por estas contas normais das idades escolares este ano aqui, 4ª classe, devia ser 1905/06 por aí. 

E em que sítio?

– Pedrogão Grande. 

Mas a escola?

– Primária. 

Era escola primária?

– Escola primária. 

O seu pai era de lá?

– O meu pai era de lá. O meu avô, pai dele, era o farmacêutico de Pedrogão Grande. 

E este senhor que está aqui de chapéu?

– É o professor. 

É o senhor professor. E era uma escola masculina?

– Para já aqui era só masculina, mas se houvesse feminina era separada, porque já no meu  tempo também era. Porque repare aqui só há rapazes. 

E não tem ideia do nome deste senhor?

– Do professor não tenho. 

Nem há registos?

– Talvez a minha irmã Maria Ezequiel saiba. Penso que ela saiba. Talvez a minha irmã mais velha saiba. Embora esta fotografia sempre lá existiu em casa…é uma maravilha. 

É uma recordação…

– Já reparou que eles tinham um fatinho já como homem?! Olhe para os fatos deles. Está tudo de casaquinho e calças… Eu acho uma piada a isto. Já tudo tinha um fatinho de homens, de livros debaixo do braço. Meu Deus!…

(…)

– Estão aqui miúdos que não são do 4º ano. Este menino não é do 4º ano, este não é do 4º ano… Vê-se bem pelo tamanho e pela carinha deles. Aquele também não é. Portanto isto devia ser a turma que este professor tinha. Nós chegávamos a ter quatro classes. Quatro turmas. Quatro anos de escolaridade. 

Pois, eles todos têm tamanhos diferentes…

– Repare.

É…portanto, eram idades diferentes aí, não é?

– O meu pai vê-se que é do 4º ano. Aqui era. 

O seu pai falava-lhe do tempo de escola dele?

– O meu pai fez os primeiros anos da escolaridade aqui e depois o pai dele, meu avô, alugou casa em Coimbra e a minha avó foi para lá com eles, com os três filhos para estudarem para a Universidade. Para continuarem os estudos. Primeiro o liceu e depois a universidade. O meu pai dizia que ia a pé para lá para Coimbra, atravessava a serra toda da Lousã a pé e depois apanhava um autocarro lá em cima, como é que se chama? No cimo da serra…Como é que se chama aquela…agora é uma cidade, uma terra grande…Pampilhosa! Ia a pé de Pedrogão até à Pampilhosa. A pé. E depois na Pampilhosa é que apanhava um transporte público…

Em tempos de estudante já da universidade?

– Isso. Ele falava na diligência. Na diligência. A minha avó, mãe dele, é que falava muito quando depois já estava assim muito velhinha, que ela morreu com noventa e seis anos, quando a gente chegava ao pé e não reconhecia e ela dizia “Então, és o Acúcio?”, dizia ela para o filho, “Vieste na diligência? Vê lá, tem cuidado, não te molhes” quando a minha avó morreu, já velhinha, portanto o meu pai o transporte que apanhava era uma diligência na Pampilhosa, que era um transporte público.

E aqui quando ele andava na escola primária, isto era lá perto da casa dele?

– Era, no Pedrógão Grande. A casa dele era ao pé da igreja, já lá não está, ainda a conheci…

Mas sabe se a escola…

– A escola, o sítio da escola eu não sei, mas a minha irmã Maria Ezequiel sabe. Se lá for a Pedrogão ela sabe isso. 

A sua irmã vive lá?

– Não, vive na Marinha Grande. Mas já está velhinha. Está velhinha, mas tem uma cabeça maravilhosa. Acho que ela até se lembra mais das coisas do que eu. O chapéu do professor…(risos) 

Isto é impressionante…

– Agora o que a minha irmã Ezequiel diz aqui. A minha irmã trabalhou primeiro em São Pedro do Esteval, ela também é professora. Nós lá em casa somos quatro professoras. Somos oito filhos. Dois médicos, quatro professoras, uma enfermeira e a outra é…

Todos os seus irmãos estudaram?

– Todos! Todos estudaram. 

Todos se formaram, não é?

– Mas o meu pai quando morreu não tinha nada. O dinheiro que ele tinha não chegou para pagar o funeral. 

Como assim?

– Verdade! Porque ele era médico aqui em Proença a Nova, mas naquele tempo não havia nem segurança social, nem nada, e ele para as pessoas não morrerem ia ver o doente, o doente não tinha como pagar, e ele é que pagava a medicação e outras coisas do género, está a perceber? As pessoas nem sabem…Nunca leu aquele livro que eu escrevi sobre a vida dele?

Ainda não li. Não li. 

– Tenho de lhe oferecer. 

Mas conte lá essa história. Tem de me oferecer um para o projeto. Para ficar no projeto. 

– Ofereço! 

Com a sua dedicatória, pode ser?

– Sim, sim. 

– Porque fala lá muito das coisas daqui…diz muita coisa da história de Proença. Eu quando o escrevi, escrevi-o mais…eu gosto muito da minha terra, são coisas que a gente nasce com esta…Nasci aqui e pronto…e cresci aqui. Mas eu escrevi-o, porque quando cá cheguei, depois casei para Angola, andei por lá muitos anos e quando aqui cheguei, depois da aposentação, havia muita deturpação em relação ao serviço do meu pai aqui. Uma deturpação tão grande que eu fiquei pasmada. De maneira que escrevi o livro, e no livro disse só tudo o que podia dizer e disse com verdade para não magoar ninguém, porque sei mais coisas que davam outros livros, mas como podiam magoar alguém não o escrevo. Está a perceber? Oh Deus…

Eram outros tempos, não eram?

– Eram, minha filha…Tempos muito complicados…

O seu pai no fundo foi um privilegiado, posso dizer, não é? Porque teve acesso a estudar, de alguma forma…

– Claro, porque o meu avô era farmacêutico, embora fosse igual ao filho porque também dava os medicamentos de graça na farmácia a quem não podia pagar, mas pronto. Ele tinha três filhos, os três foram estudar. Um morreu com a pneumónica, que já foi o meu pai que o tratou e morreu esse irmão. Portanto, vivos era o meu pai e o meu tio Armando só. Morreu outra irmã também quando eles eram ainda crianças. 

(…)

Albertina, diga-me só aqui então a legenda da fotografia, o que é que diz aqui no papelinho?

– Eu no papelinho não digo nada praticamente. Aí no papelinho…isto é princípio do século XX e depois aqui 1903/04, mas depois um ponto de interrogação, porque deve andar mais por volta de 5 ou 6…

É uma estimativa…

– É uma estimativa. E o que digo cá é que está o professor e as crianças. Aqui reparei como vestiam, porque os nossos meninos agora não se vestem assim e o que é que aprendiam. O que é que aprendiam eu pus aqui uma nota do que aprendiam “Meu pai aprendeu na primária, que é um dos que está aqui, a declinações do latim, as equações que nós só aprendíamos no liceu.” Eu lembro-me que eu aprendi as declinações já no 5º ano. O meu pai dizia-nos isto. E as declinações no 5º ano e as equações creio que no 3º. As equações de matemática eram no 3º ano, acho que 3º ano. E eles aprendiam já isso na instrução primária. Também iam poucos estudar, é verdade, não é?…E eu escrevi aqui aquilo que o meu pai nos dizia…

Albertina Castanheira, em entrevista a Helena Cabeleira (28 Novembro 2019, Universidade Sénior de Proença-a-Nova)

Fotos Faladas – Entrevista a Albertina Castanheira,
Universidade Sénior de Proença-a-Nova
Fotos: Helena Cabeleira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *